Editora: Tordesilhas
Páginas: 488
John Ajvide Lindqvist é o tipo de autor que me deixa desconfiada do que vai escrever antes de conhecer. Eu li Deixa Ela Entrar há algum tempo e adorei, fiquei cativada pelos personagens e a história que ele criou, então a desconfiança inicial já tinha sumido quando decidi ler Melodia do Mal. Mesmo assim, ele me pegou de surpresa em vários pontos.
Melodia do Mal acompanha Theres, a Pequenina, uma garota que quando bebê foi encontrada por um senhor no meio da floresta, abandonada numa sacola em cova rasa. Mas Theres nunca foi uma garota – ou bebê – normal, pois antes mesmo de ser resgatada da sacola já sabia cantar. Perfeitamente. E isso é só o começo dos mistérios envolvendo a garota: ela não interage bem com pessoas, tem alguma dificuldade de aprendizado e falta de interesse com tudo que não se trata de música e eventualmente mostra que também é boa em coisas muito mais sombrias do que cantar.
…O rosto estava salpicado por borrifos de sangue, e algumas pelotas pequenas e mais sólidas de tecido humano estavam grudadas nas bochechas. Filetes de sangue tinham escorrido dos cabelos para a testa…
Não há como falar sobre o livro e seus encantos sem beirar aos spoilers, mas o livro que eu esperava que fosse sobrenatural, com algum toque de assombrações ou possessões se revelou muito mais psicológico e sinistro do que isso. Na verdade, os detalhes que ficam a cargo da interpretação do leitor só tornam a trama ainda mais intensa. E o fato de que o que acontece não é necessariamente paranormal torna tudo ainda mais assustador. Poderia acontecer. Alguns aspectos são bem improváveis, mas a maior parte não é impossível. E é assim que o autor me mantém pensando no livro e nos personagens mesmo dias depois de terminar o livro.
Se quiser acreditar em algo como o Destino, saiba que ele é um personagem caprichoso. Que às vezes, fica lá parado, atravancando o caminho e bloqueando a porta pela qual você nasceu para entrar, e que às vezes te pega pela mão e te leva porta adentro no mesmo minuto em que você põe o nariz para fora.
Theres é a peça fundamental do livro, mas também conhecemos muitos outros personagens marcantes, especialmente por serem “cinza”; ninguém é realmente bom ou mau, de modo que todos parecem reais e é fácil simpatizar com várias das pessoas que conhecemos. Teresa, a garota antissocial e depressiva que faz amizade com a Theres mais velha, escrevendo canções para ela, provavelmente é minha favorita, mas gostei até dos antagonistas — que, ainda mais surpreendente, nem sempre são quem esperamos que sejam.
O mergulho em Melodia do Mal é profundo e envolvente e só me deixou com mais vontade de conferir os livros de Lindqvist. E se dada a oportunidade, eu provavelmente iria ver Theres cantar, mesmo com o conhecimento de leitora do que poderia acontecer. Certamente soa como algo que valeria a pena.
É impossível dizer por que amamos algo ou alguém. Se for preciso, podemos até inventar razões, mas a parte importante acontece no escuro, além de nosso controle. Simplesmente sabemos quando está lá. E quando se vai.
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